quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Como era bom...

Como eram boas aquelas manhãs...

Saltava eu escada abaixo aos três degraus para não perder o autocarro. Chegava ao metro na ânsia de apanhar o primeiro autocarro que visse, qualquer um deles levava-me à António Arroio, em que sair na Rotunda das Olaias ou na Calçada da Picheleira era-me indiferente, se bem que o 720 é uma excursão pelo Bairro dos Actores.

Lá estava ela reluzente aos primeiros raios de sol da manhã, uns dias melhor, outros pior... mas sempre com aquela imagem dos azulejos na sua fachada. Contornava o edifício, passava a paragem, e entrava na rua da escola... aquele maldito chão pegajoso das árvores (tílias julgo eu...) e da sua substância e chegava ao "AMO-TE": a meta de todos os dias úteis da semana. Em frente no Bel'Arte entram os primeiros Arroianos do dia: tabaco, um bolo, um sumo, uma garrafa de leite UCAL ou outra coisa qualquer vai encher a alma a quem tem de aguentar mais um dia de aulas... ou de outra coisa qualquer....
No passeio junto ao estacionamento vê-se a malta a conversar sobre coisas com ou sem sentido. Subo as escadas, por vezes com o som reforçado de uma guitarra acústica...
Há quem aproveite p'ra dormir encostado aos pilares que suportam o corredor de entrada do edifício raso, uns ouvem música, outros desenham e quem faça mais barulho p'ra despertar aqueles que se esqueceram de dormir na noite passada...
A máquina de carregamento dos cartões de aluno ainda está desligada, volto para trás, umas vezes (e quase sempre) para ir me sentar à porta a ouvir uma banda qualquer, nos últimos tempos Xutos, Censurados ou outras, ou então seguia em direcção à papelaria "cagado" para conseguir arranjar material para desenho à última da hora antes do toque da campaínha...



Os intervalos são algo imenso, não de tempo, mas de gente, ouve-se berros, risos parvos, conversas paralelas... TUDO... uns vão fumar à porta outros limitam-se a ficar dentro da escola nos pilares, outros jogam os velhos matrecos, outros vão para o bar, outros na entrada e nos seus degraus gastos pelo tempo, outros ficam nas escadas do fundo do edifício com uma janela que consegue captar por entre as frechas dos prédios o rio.
As casas de banho verdes cheias de rabiscos, graffitis, tag's, desenhos, palavras, frases de revolta e afins vai ambientando a minha mija diária com aquele odor fedorento, mas que mesmo assim, não deixa de ser a António Arroio. Saio e posso ver mais rabiscos na parede, desenhos e uns curiosos stencil's de bandas e afirmações de outros poetas ou escritores. O quadro eléctrico tem uma série de autocolantes, um deles é um rótulo de um queijo qualquer, talvez o Primor julgo...
Sentamo-nos nas escadas... há sempre alguém a quem podemos cravar umas bolachas de pepitas de chocolate depois do lanche da manhã, há sempre alguém a fazer equilíbrio só com uma perna, há sempre alguém cheio de sono a ouvir musica, há sempre alguém que se encosta à janela para levar com os raios solares na espinha e há sempre que se farta e diz "tou farto, vou lá p'ra baixo!" na esperança de ver alguém conhecido lá em baixo. Vagueia-se escada acima, escada abaixo... nota-se qualquer coisa de estranho lá fora nas traseiras... uns buracos que destruíram uns desenhos espectaculares...
Bem, desce-se... vai-se à máquina comprar qualquer coisa... ou vai-se até lá fora ver a multidão... skate, comida com fartura, cigarros esborrachados, tudo em abundância... no corredor, atrás dos pilares, vê-se vários trabalhos expostos...



As aulas são o costume.... cada vez presentes assim que se ouve o toque de entrada, incrédulos todos subimos para apanhar uma seca ou algo muito interessante. No meu caso talvez desenho fosse a melhor... andar pela sala, desenhar, ouvir música, sentir-me bem por fazer algo... a quase total Liberdade é a expressão do dia!
O velho lavatório atrás da porta lava-nos o esforço em vão nos trabalhos, e lava-nos a mente para o próximo intervalo após uma aula bem passada, assim como muitas outras...

Ao almoço a Arroio continua a ser a Arroio, tudo na esperança do fim do dia, o pessoal no café ou no refeitório a almoçar... e com isso a recordação do comer por vezes mau, com salada pra lixar os meus dentes de tão rija que é...

Os intervalos da tarde e o fim do almoço são invadidos pela gulosice de uma barra de chocolate Kinder ou gomas...
As oficinas estão a funcionar em pleno à espera da malta de cerâmica, madeiras eserigrafia (com o professor Jorge e os seus cd's do James Brown ou os velhos clássicos do Rock e da Pop-Rock...).
Era a António Arroio! A malta invadia a oficina das outras turmas para meter dois dedos de conversa com o stor ou com algum amigo que por ali tenha ficado com um trabalho atrasado.
Tudo voltava a ser como de manhã: wc's cheios, malta nos matrecos e no ping-pong, malta cá fora com guitarras, por vezes com jambés ou outro instrumento qualquer, fruto de algum aluno e da sua experiência musical...
À noite era a António Arroio também, mais silenciosa, mas à porta com o mesmo barulho de sempre sob as árvores sobrias...



Hoje saio do autocarro, já não existe o edifício do painel de azulejos, apenas o painel... já não existe as escadas do fundo, as janelas onde se via o rio, as salas, os corredores escuros iluminados pelo sol, as escadas gastas. A entrada está fechada e o final do corredor do piso raso já não existe. As oficinas acabaram, deixou de se ouvir a malta a gritar, a invadir salas, a rir, deixou de se ver tudo e mais um pouco... resta um átrio, o bar, a papelaria e os fundos...

domingo, 20 de dezembro de 2009

Quero-te ver a saltar,
Ver-te apenas,
Apanhar as vibrações musicais no ar,
E mostrar-te como as coisas não são pequenas,

Um orgásmico sentimento,
Envolve,
Uma desilusão sem prazer,
Dissolve,

Tu que estás a falar para mim,
Sabes bem que não quero,
Sabes bem que não vou dizer sim,
Sabes tão bem que não a venero,

Se a musica não te entra,
Talvez o sexo também não,
Se a alegria não te esventra,
A miragem será uma ilusão.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

8815

Uma das coisas que me anda a dar vontade de acompanhar é a restauração do 8815.
Bom, mas afinal o que é o 8815?



O 8815 trata-se de um autocarro pertencente à extinta RN (ou Rodoviária Nacional), iniciou a sua actividade em 1978 fazendo principalmente expressos para o Alentejo.

Após a eliminação da RN em 1995 e consequente criação de uma série de rodoviárias privadas, já com o 8815 a fazer apenas excursões e de longo curso, é enviado para a empresa Belos Transportes que actuava na zona sul do País. Mais tarde esta empresa desapareceu sendo o mesmo transferido para a Rodoviária do Alentejo onde fazia primeiro serviços locais em Santiago do Cacém e mais tarde na zona de Portalegre adoptando o nº8513...
Este autocarro sempre circulou com um esquema de pintura bonito típico da RN : branco e laranja com várias faixas laranjas na retaguarda.

Actualmente após ter sido abatido ao serviço pela Rodoviária do Alentejo, chegou aos ouvidos da AMIBUS (Associação dos Amigos dos Autocarros) que este iria para a sucata, tentaram comprá-lo mas sem efeito... Mais tarde a própria empresa doa a esta associação o 8815, sendo este transferido para uma recolha dos TST e mais tarde chegando mesmo a ir para um abrigo no Porto por falta de locais. Regressa a Lisboa, mais precisamente à Póvoa da Galega perto da Malveira onde após algum repouso e de nova ameaça de abate se iniciam os trabalhos de restauração do mesmo. O motor ainda continua minimamente operacional, mas com a restauração e novas peças incorporadas espera-se que este autocarro seja um autêntico pedaço de história com rodas.

Por enquanto muito já foi feito através do esforço do pessoal envolvido e de donativos à Associação em causa. Espera-se que o 8815 regresse dentro de pouco tempo às estradas...



Foto do 8816, um autocarro igual ao 8815, aqui ainda em serviços.



Foto do 8815 já abatido
Fotos provenientes de: http://transportes-xxi.net/

terça-feira, 8 de dezembro de 2009



São 8 da manhã de um dia qualquer do final do Verão. Aguardo no Campo das Cebolas por um autocarro...


O trânsito que se faz sentir às 9 da manhã é intenso, enche a Rua da Alfândega até às costuras, e assim será até à 24 de Julho. O meu autocarro vem, mas não me apetece ir neste, demasiado cheio e sem interesse para eu fotografar... Espanto-me quando vejo aproximar o tão desejado "alvo", aguardo mais um pouco e entro nele.


Trata-se da carreira 706, ou 6 para quem ainda não está habituado a comercialismos e marketings sem nexo. A 706 é uma boa carreira para quem gosta de conhecer o "coração" da cidade, dá-nos um pouco de tudo, parte de oriente no Campo das Cebolas em direcção a ocidente , voltando depois a oriente. O sol aquece bem junto ao Tejo, talvez mais um dia de calor. Identifico-me com algo que está a passar na rádio, música para os meus ouvidos, mas mesmo assim é muito difícil perceber um som que não sai "limpo" por entre o roncar clássico de um B10R e o trânsito que engole o Largo do Cais do Sodré. Só agora é que entram algumas pessoas, principalmente estudantes que se dirigem mais adiante no percurso. O autocarro segue, cruza Santos sobe a São Bento e a seguir ao Rato. Deixamos há muito o Tejo para trás, somos engulidos novamente pelas casas e ruas estreitas, o trânsito e novamente os largos. Observo a ainda grande quantidade de gente que se encontra à espera dos transportes para mais um dia de tortura de 8h de trabalho, mais para uns do que para outros...

Neste momento o autocarro desce a Alexandre Herculano, estando prestes a atravessar a Av. da Liberdade.
Gosto particularmente da cidade de manhã, atravessá-la, mesmo que o 706 passe por zonas que de dia cobrem-se com mil caras mas de noite são o pólo da exploração feminina e talvez do flagelo da droga pesada. Muitas fazem-no por prazer, outras por sustento que tortura.
Estou a pouca distância da Praça do Chile, o autocarro vem com pouca gente, apenas uma realidade que será corrompida na próxima paragem com pessoas de idade que vão aqui ou ali, ou então vão deambular de carreira em carreira, de sítio em sítio até que a manhã ou o dia acabem.
O autocarro sobe até à Praça Paiva Couceiro, um sol matinal invade a entrada da Morais Soares desabafada de um lado com poucos prédios, o trânsito está a ficar para trás...

O autocarro agora desce em direcção ao seu términus-Santa Apolónia, volta-se a ver o rio e volta-se a ver outras realidades sociais, que baloiçam entre antigas cooperativas e prédios e pequenas quintas em ruínas, outrora aqui perto tudo era diferente no final do século passado, barracas, pequenas vilas operárias ou não e o eléctrico, eléctrico esse que há muito deixou de aqui perto passar. A Av. Mouzinho de Albuquerque é espaçosa e desafogada, o trânsito ficou para trás num dos extremos, lá em baixo o sol sobre o rio faz toda a diferença, os poucos prédios desta avenida dão outro ar numa Lisboa de betão e ferro.
Por fim volto a ver o rio sobre o viaduto que atravessa a linha do comboio, bela vista sobre a estação e bela vista portuária, de destacar as velhas casas onde ainda perdura um restaurante em que se preparam sardinhas assadas para o almoço à porta junto à entrada da Rua dos Caminhos de Ferro.



















segunda-feira, 30 de novembro de 2009

1984

Talvez o início do final do primeiro ciclo dos Xutos, numa exibição ao vivo num programa do Júlio Isidro no longíquo ano de 84, na RTP.
Aqui os Xutos eram algo que emergia a passos vistos, ainda sem o sucesso que viria em 1987, nesta altura enchiam concertos no Rock Rendez Vous com público oriundo dos mais variados locais da grande Lisboa e não só. O punk ainda fervia (e ferve)com a rodada de 1982/1984, apenas os Xutos resistem da chamada primeira rodada: 1978-1982.

1º tema: "1º De Agosto"
2º tema: "Gritos Mudos"



domingo, 29 de novembro de 2009

Santa Apolónia


Um dos imensos sítios que gosto em Lisboa é a estação de Santa Apolónia. P'ra mim contém uma identidade própria, de memórias únicas muitas vezes apagadas. Alguns pequenos pontos importantes da minha infância, e não só, passaram-se naquela estação. Associo-a sempre às férias de Verão, o sol quente matinal com o calor a formar uma espessa camada opaca no céu, o cheiro próprio do local, os comboios em rituais frenéticos de manobras. Os cafés, a última revista ou jornal comprado antes da viagem. Resumindo: Santa Apolónia é sinal de outros rumos, de outros locais, descobrir novos sítios, assim como novas estações, novos comboios, novos rituais frenéticos. O lado oriental de Lisboa inspira bastante calma, tanto fria como quente, dependendo da estação do ano. Podemos inclusive observar os extremamente infelizes contrastes sociais, daqueles que dormem ao relento. O Vazio nocturno e matinal com os primeiros bilhetes vendidos, a chegada dos comboios internacionais, nacionais ou até mesmo dos locais que cospem as pessoas para a cidade. Santa Apolónia tem aquele espírito ideal ao início e fim do dia. As luzes dos sinais, da estação, os faróis dos comboios que se cruzam por entre agulhas e cruzamentos.

Rotina

Novamente na rotina de mais um dia. Oiço alguém lá à frente a falar algo que entendo o que diz mas não é a minha língua. Um dialecto diferente do meu, em que falam e voltam a desaparecer. Agora o sol passa por entre os intervalos da cortina com o sol matinal vindo de Oriente sobre o Vale de Chelas, e a margem de um rio literalmente esquecido em que a neblina se ocupa de cobrir a água com luz baça de um sol com muito para dizer num dia de temperaturas baixas.
A escola está diferente, estas caixas metálicas fazem-me congelar, e por vezes recear a injusta razão que me levou para aqui. Sinto que o pouco que resta da "alma" da escola antes do Verão ainda se mantém a muito esforço, porque ainda existe pessoas que são oriundas de um outro "mundo", que também é o meu, e que estão aqui para concluir o que têm aprendido de bom noutro lado que não este.
Sujeitámo-nos a este encarceramento na esperança de poder regressar ao que realmente é nosso, e que mesmo que por pouco tempo, talvez ainda o seja por alguns meses.
Ainda se vê os mesmos sorrisos, a mesma alegria, mas invadida por uma melancolia de que alguns que dentro de um ano não irão ver tão depressa o "renascer".

A.A. 19/10/2009

Da Lua em Zoom...

Da esquina da Lua em zoom vejo alguém de olhos da cor da terra: são azúis, verdes ou até mesmo castanhos.
Vejo-te da sua esquina ofuscado pela sua sombra, vagueias pela cidade em busca de algo, algo entre corredores e salas, fundos e mundos, mas também na maior das ruas, do asfalto húmido ou seco. Trepas as correntes adversas, mas desistes por vezes... sim, porque eu já te observei daqui.
Até de dia te vejo , mesmo estando a Lua do outro lado da Terra, aliás, é aí que eu te observo mais, que te sinto mais. Procuras fazer das coisas as ruas e as pedras que pisas com o negro dos teus ténis em contraste rua a rua.
Mas chega a noite e observo que o castanho não existe, tão pouco o azul, escapa o verde que fica escondido na obscuridade das tuas pálpebras sonolentas de mais um dia que teve desde cansaço e alegria até à angústia e prisão.

Saltas de forma invisível num concerto que te rebenta as artérias... ou talvez não, em que o som desse concerto não se percebe e em que também eu não te percebo, em que vagueias pela multidão e pelo submundo de um pavilhão qualquer, solitária e em desespero da raiva, da revolta e da tristeza que sentes, foges para a porta e desvaneces em silêncio perante os que te rodeiam, perante aqueles que te apoiam de dia e te desejam boa sorte à noite. Desde aí paraste como se o dia parasse, só acordaste depois sem eu saber, sem me aperceber porque a própria Lua por vezes não me deixa ver quando eu quero.
Por vezes cruzas a minha Lua mas desapareces numa porta deste universo que afinal não passa do meu ponto de vista egocêntrico em que só te vejo a ti por breves instantes com olhos carregados de negro depressivo e revoltante que se encaixam como um puzzle na tua personalidade.

Talvez seja um ponto de vista éfemero que se evapora quando eu quero e que regressa quando não quero, em que não posso pôr em causa a minha liberdade por uma submissão visual de doces linhas e recortes, que me aborrece como uma obrigação obrigada por mim próprio que ficou num ciclo vicioso que noto a partir desta Lua com a mesma ou semelhante função que as outras Luas.
Mais tarde ou mais cedo deixarei de te ver deste ponto de vista lamechas e quadrado, em que vives num universo de rotinas diárias de alguém da periferia de uma urbe que vive de dia e de noite. Descrevo a tua rotina da mesma maneira que te moves por entre a multidão, da mesma razão pela qual ainda te vejo ou te sinto cambalear no vazio, vazio esse que te enche a alma.

Agora que estou a deixar, que será de ti?


Esc. Sec. Artistica António Arroio, início de 2009

Bem vindos

Bem vindos ao meu blog, aqui escreverei o que me apetecer, quando e como quiser. Tudo o que me rodeia, o que mais gosto e o que quero será motivo para escrever.