Como eram boas aquelas manhãs...
Saltava eu escada abaixo aos três degraus para não perder o autocarro. Chegava ao metro na ânsia de apanhar o primeiro autocarro que visse, qualquer um deles levava-me à António Arroio, em que sair na Rotunda das Olaias ou na Calçada da Picheleira era-me indiferente, se bem que o 720 é uma excursão pelo Bairro dos Actores.
Lá estava ela reluzente aos primeiros raios de sol da manhã, uns dias melhor, outros pior... mas sempre com aquela imagem dos azulejos na sua fachada. Contornava o edifício, passava a paragem, e entrava na rua da escola... aquele maldito chão pegajoso das árvores (tílias julgo eu...) e da sua substância e chegava ao "AMO-TE": a meta de todos os dias úteis da semana. Em frente no Bel'Arte entram os primeiros Arroianos do dia: tabaco, um bolo, um sumo, uma garrafa de leite UCAL ou outra coisa qualquer vai encher a alma a quem tem de aguentar mais um dia de aulas... ou de outra coisa qualquer....
No passeio junto ao estacionamento vê-se a malta a conversar sobre coisas com ou sem sentido. Subo as escadas, por vezes com o som reforçado de uma guitarra acústica...
Há quem aproveite p'ra dormir encostado aos pilares que suportam o corredor de entrada do edifício raso, uns ouvem música, outros desenham e quem faça mais barulho p'ra despertar aqueles que se esqueceram de dormir na noite passada...
A máquina de carregamento dos cartões de aluno ainda está desligada, volto para trás, umas vezes (e quase sempre) para ir me sentar à porta a ouvir uma banda qualquer, nos últimos tempos Xutos, Censurados ou outras, ou então seguia em direcção à papelaria "cagado" para conseguir arranjar material para desenho à última da hora antes do toque da campaínha...
Os intervalos são algo imenso, não de tempo, mas de gente, ouve-se berros, risos parvos, conversas paralelas... TUDO... uns vão fumar à porta outros limitam-se a ficar dentro da escola nos pilares, outros jogam os velhos matrecos, outros vão para o bar, outros na entrada e nos seus degraus gastos pelo tempo, outros ficam nas escadas do fundo do edifício com uma janela que consegue captar por entre as frechas dos prédios o rio.
As casas de banho verdes cheias de rabiscos, graffitis, tag's, desenhos, palavras, frases de revolta e afins vai ambientando a minha mija diária com aquele odor fedorento, mas que mesmo assim, não deixa de ser a António Arroio. Saio e posso ver mais rabiscos na parede, desenhos e uns curiosos stencil's de bandas e afirmações de outros poetas ou escritores. O quadro eléctrico tem uma série de autocolantes, um deles é um rótulo de um queijo qualquer, talvez o Primor julgo...
Sentamo-nos nas escadas... há sempre alguém a quem podemos cravar umas bolachas de pepitas de chocolate depois do lanche da manhã, há sempre alguém a fazer equilíbrio só com uma perna, há sempre alguém cheio de sono a ouvir musica, há sempre alguém que se encosta à janela para levar com os raios solares na espinha e há sempre que se farta e diz "tou farto, vou lá p'ra baixo!" na esperança de ver alguém conhecido lá em baixo. Vagueia-se escada acima, escada abaixo... nota-se qualquer coisa de estranho lá fora nas traseiras... uns buracos que destruíram uns desenhos espectaculares...
Bem, desce-se... vai-se à máquina comprar qualquer coisa... ou vai-se até lá fora ver a multidão... skate, comida com fartura, cigarros esborrachados, tudo em abundância... no corredor, atrás dos pilares, vê-se vários trabalhos expostos...
As aulas são o costume.... cada vez presentes assim que se ouve o toque de entrada, incrédulos todos subimos para apanhar uma seca ou algo muito interessante. No meu caso talvez desenho fosse a melhor... andar pela sala, desenhar, ouvir música, sentir-me bem por fazer algo... a quase total Liberdade é a expressão do dia!
O velho lavatório atrás da porta lava-nos o esforço em vão nos trabalhos, e lava-nos a mente para o próximo intervalo após uma aula bem passada, assim como muitas outras...
Ao almoço a Arroio continua a ser a Arroio, tudo na esperança do fim do dia, o pessoal no café ou no refeitório a almoçar... e com isso a recordação do comer por vezes mau, com salada pra lixar os meus dentes de tão rija que é...
Os intervalos da tarde e o fim do almoço são invadidos pela gulosice de uma barra de chocolate Kinder ou gomas...
As oficinas estão a funcionar em pleno à espera da malta de cerâmica, madeiras eserigrafia (com o professor Jorge e os seus cd's do James Brown ou os velhos clássicos do Rock e da Pop-Rock...).
Era a António Arroio! A malta invadia a oficina das outras turmas para meter dois dedos de conversa com o stor ou com algum amigo que por ali tenha ficado com um trabalho atrasado.
Tudo voltava a ser como de manhã: wc's cheios, malta nos matrecos e no ping-pong, malta cá fora com guitarras, por vezes com jambés ou outro instrumento qualquer, fruto de algum aluno e da sua experiência musical...
À noite era a António Arroio também, mais silenciosa, mas à porta com o mesmo barulho de sempre sob as árvores sobrias...
Hoje saio do autocarro, já não existe o edifício do painel de azulejos, apenas o painel... já não existe as escadas do fundo, as janelas onde se via o rio, as salas, os corredores escuros iluminados pelo sol, as escadas gastas. A entrada está fechada e o final do corredor do piso raso já não existe. As oficinas acabaram, deixou de se ouvir a malta a gritar, a invadir salas, a rir, deixou de se ver tudo e mais um pouco... resta um átrio, o bar, a papelaria e os fundos...
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Que saudades da velha Arroio. De estar sempre a correr pelos corredores atrasada, passar as aulas a tentar descobrir o rio e a contar os minutos para a saida.
ResponderEliminarAgora tudo o que vejo é um amontoado de caixas, as pessoas perdidas entre a estrada e os predios.
Perdeu-se muito mas muito se vai ganhar, quanto tudo acabar, sem obras, sem andaimes só o espiríto que tanto descreve esta escola.
Sem dúvida Joana =) eram outros tempos... (isto soa demasiado saudosista mas a cena é que a Arroio era AQUELA e não esta.
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